terça-feira, 19 de junho de 2018

Como é correr 2 Maratonas com 2 semanas entre elas

OK, OK, eu sei que não é nenhum fato inédito e tem gente que faz coisa muito pior. Meu ídolo Dean Karnazes correu 50 maratonas (distância na verdade) em 50 estados norte-americanos em 50 dias consecutivos, mas ele é “o cara” e eu sou “um cara”. Então, por não ser nada tão digno para ser convidado para o próximo filme dos Vingadores, vou compartilhar a experiência de mais uma insanidade.

Maratona Internacional de São Paulo, 08/04/2018

Todo ano é a mesma coisa: “ano que vem eu não vou, prova encardida, precisa melhorar muito!”, é o mantra entoado geralmente logo após a chegada, com as pernas doloridas e desidratado. Mas eu não aguento, basta chegar um e-mail de primeiro lote com preço promocional, e o irresponsável aqui paga a inscrição mesmo sem ter o planejamento de provas do ano seguinte.
É nitidamente uma estória de amor e ódio de quase 10 anos entre eu e a nossa principal prova de 42 Km na cidade, que agora disputa com outra seu lugar ao sol. Aliás, sol é o que não falta todo ano na Maratona de São Paulo, por mais que a organização tente puxar a data para o início do outono, sempre espirra uns raios do astro rei no final para os mais lentos, tipo eu.

Não vou falar muito desta prova, tem posts anteriores que a descrevem bem, basta mencionar que foi o melhor tempo que tive na danada, 04:27:48. Larguei forte para aproveitar o clima nublado que persistiu até o trecho da USP, inclusive na pentelha Av. Politécnica. Depois, com o sol, resolvi diminuir um pouco e aproveitar para preservar a carroceria, afinal, na sequência tinha mais asfalto me esperando....

Interlúdio: Treinar ou Polir?

O tal período de “polimento”, onde são feitos treinos leves, foi para o espaço. Entre uma maluquice e outra, deveria levar na boa as duas semanas, onde saí bem dolorido da Maratona de São Paulo, mas o fato é que eu me cobrei 49 Km de treinos na primeira semana e mais 48 na segunda. Não tem segredo, porém duas coisas contribuíram muito: a natação, dois dias após a prova, onde pude soltar os músculos doloridos e na quinta-feira um pequeno treino regenerativo na esteira. Comecei duro, no Km 1 pensei que não ia aguentar correr, quando cheguei no 2 estava bem, e no 3, onde deveria parar, tive vontade de continuar correndo.

Ou seja, back in business...

Maratona Nilson Lima de Uberlândia, 22/04/2018

Adorei conhecer Uberlândia, cidade grande do interior de Minas Gerais, uma joia do nosso Brasil. Povo muito bacana, corredores recepcionados no aeroporto, excelente hotel Gran Executive muito
flexível para acomodar a todos e prover a melhor experiência de estadia, e é claro, muito, mas muito, pão de queijo daqueles deliciosos que só nossos vizinhos mineiros sabem fazer. 

Antes da prova, no hotel uma palestra com ilustres ultramaratonistas: o próprio Nilson Lima que dá nome ao evento (até aquele momento, 195 maratonas em todos os cantos do planeta), Nato Amaral, embaixador brasileiro da Comrades, e Bruce Fordyce, 9 vezes campeão
Nato Amaral lançando seu livro...
da Comrades Marathon. Sim, não bastasse este sensacional atleta sul-africano ter corrida a ultramaratona de aproximadamente 90 Km várias vezes, ainda colecionava 9 vitórias e diversos recordes. Pessoa alegre, falava em inglês com tradução do Nato, contou de sua estória de vida na Comrades, 
sobre os, literalmente, altos e baixos do percurso e do que nos esperaria em qualquer sentido da prova. Falou de outros grandes nomes que marcaram a competição e das tradições que envolvem a Comrades. Na sequência, um excelente jantar de massas para dar um carbo load nos corredores para o dia seguinte. Nato
...e Bruce Fordyce também
autografando o volume
também estava lançando seu livro
90 Km, que já estou lendo e recomendo totalmente para quem gosta de longas distâncias e quer saber um pouco mais sobre a Comrades. 

Chega então o domingo da prova, e este pangaré aqui tem a difícil tarefa de descobrir se ele realmente tem bagagem suficiente para correr outra maratona. O dia seria ensolarado, mas a temperatura estava muito agradável, começando nos 16 graus Celsius e podendo chegar até 25 perto do final da prova, porém o percurso iria mostrar que subidas e descidas castigam mais do que a própria sensação térmica. Largaríamos às 06:30 da manhã, horário sensacional, pena que devido à uma questão de tráfego urbano atrasou um pouco, mas nada que prejudicou aproveitar o ar frio da manhã. Ainda tive tempo de tirar uma foto com Bruce Fordyce na largada, coisa que todo corredor queria fazer, é claro, mas roubei o atleta sul-africano dos demais para um selfie de última hora.

A prova mostrou-se logo de cara dura e bem organizada, apesar de que eu tinha planejamento para cada 5 Km e as placas eram de 2 em 2, ou seja, nos ímpares eu tinha que fazer contas para ver se estava no meu ritmo planejado. É curioso que eu dispunha de relógio com GPS e celular com softwares de corrida, mas queria sentir um pouco de como é correr só com o cronômetro e saber os tempos que deveria fazer, sem música e sem meu copiloto no celular me dizendo distância e ritmo (e errando muito como sempre). O percurso ia praticamente até a região do aeroporto da cidade, com passagem por um condomínio fechado e até mesmo o famoso Parque Sabiá, onde acontecia uma final de vôlei feminina com o time local e ouvia-se a torcida em polvorosa ao passarmos na região. Neste trecho do condomínio, cheguei a conversar um pouco com o próprio Nilson Lima, pessoa incrível, que nos recebia em sua cidade de braços abertos, e garanti que divulgaria a prova para os corredores de São Paulo, que mereciam saber da existência de uma prova tão incrível como aquela.

Lembre-se, eu havia corrido a Maratona de São Paulo 2 semanas antes, então colocar tempo em uma outra maratona tão próxima seria insanidade. Mesmo assim eu queria terminar em 04:29:29, considerando uma margem de erro de até 5 minutos a mais, e consegui errar por apenas 35 segundos, terminando com 04:30:34. Um resultado inédito, pois eu nunca havia conseguido gerenciar tão bem o esforço de uma prova longa.

Sobrevivi para contar

Durante 2 semanas eu havia percorrida quase 200 Km sobre as pernas, e isto não é um feito a ser menosprezado quando se fala de corrida, especialmente quando se trabalha sentado quase o dia todo. Também nunca havia colocado uma carga tão grande de uma só vez, foi um risco, porém controlado e com objetivo definido.

Como?

Se você quer fazer alguma coisa do tipo, procure um treinador, mas se não tem, como é o meu caso, reúna o máximo de informações possível. Treine, anote, comente, ajuste, planeje e revise. Meros mortais que levam vida de escritório conseguem sim fazer este tipo de maluquice, mas não é só calçar o tênis e sair por aí, precisa de bagagem. No meu caso, foram 22 maratonas antes destas duas, além do quadro de medalhas aí a lado.

E para quê isso?

Eu já te conto, na próxima postagem...