Nem mesmo a ultramaratona mais famosa do mundo escapou da pandemia, e seguindo a tendência das outas provas afetadas, também foi disputada em formato virtual.

Você já deve estar cansado de ouvir falar de “pandemia”, “isolamento social”, “distanciamento”, mas o que deve realmente deixar o corredor chateado são as expressões “prova adiada” e “prova cancelada”. Quem não tem ou teve uma corrida já inscrita (e paga, é claro) transferida ou cancelada no meio desta bagunça que está o ano de 2020? E como não poderia deixar de ser, a ultramaratona Comrades Marathon, que estaria completando 99 anos de existência neste ano, também teve sua edição cancelada por conta do coronavírus. Planejar e realizar uma viagem à África do Sul, preparar-se durante meses e depois para correr 90 Km em menos de 12 horas com pontos de corte ao longo do percurso, bom, eu sei como é isso na pele, na sola do tênis e no bolso (veja as postagens da minha
Comrades 2018 para saber um pouco mais). E faltando um mês para o evento, descobrir que a prova foi cancelada... até eu que não iria neste ano senti a maior tristeza
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O dia em que o cancelamento foi
oficialmente anunciado... |
no dia que a organização oficializou o cancelamento da edição 95, que aconteceria em 14 de junho. Mais uma prova que foi vítima da pandemia, deixando 27.500 inscritos do mundo todo absolutamente desolados.
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...e o novo evento que surge! |
Entre regras de transferência para próximas edições para os corredores de outros países, envio de kit para os sul-africanos e muitas reclamações nas redes sociais, a CMA (Comrades Marathon Association) lançou um desafio virtual a ser completado no mesmo dia em que a prova ocorreria. Nos mesmos moldes que as corridas virtuais vêm tomando conta do mundo, o objetivo seria definido com metas de 5, 10, 21, 45 ou 90 Km a serem percorridas pelos corredores em qualquer parte do mundo. Para os sul-africanos inscritos na Comrades cancelada, a participação estaria garantida, mas o convite estava aberto a outros corredores do país com taxas no valor de 150 Rands (menos de USD 10) e para atletas internacionais pelo valor de USD 25. Uma medalha real fazia parte do pacote, prometida para após alguns meses aos que concluíssem a distância escolhida no dia 14/06, e é claro, a possibilidade de comprar uma série de itens colecionáveis com o nome da edição virtual: Race The Comrades Legends, pois fazia alusão que muitas das lendas da prova estariam correndo ao mesmo tempo, e você estaria no mesmo dia enfrentando grandes campeões de todas as épocas.
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de 5 a 90 Km, era só escolher o "sabor" do desafio |
E quem vai pagar esta quantia para participar de uma prova virtual e sabe-se lá quando ganhar uma medalhinha do evento? Eu te digo: 43.788 inscritos de 103 países, e o país estrangeiro com maior número de participantes... Brasil, com 1.742 corredores! Pelo menos um número que nos orgulha neste momento.
Quando se fala em Comrades, nada é pequeno, nenhum número parece absurdo, afinal, quem se inscreve numa edição real tem 90.184 metros entre a largada e a chegada (na down run). A regra era muito clara: independente do fuso horário, entre 00:00:00 e 23:59:59 do dia 14 o corredor precisaria registrar e comprovar de alguma forma a distância proposta, sendo passível de desclassificação em caso de “maracutaias” ou não comprovação.
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fácil, não requer prática nem tampouco habilidade |
Como a maioria dos corredores já utiliza relógios GPS, smartphones com aplicativos de corrida e todas as outras parafernálias digitais que medem distâncias, seria fácil cumprir a regra. Minha escolha: 10 Km. Apesar da distância predileta para todos os momentos ser 21 Km (meia maratona), meus treinos de corrida foram reduzidos a horários e dias específicos devido à pandemia, portanto seria arriscado percorrer uma distância destas de uma hora para outra, sem contar na possibilidade de erros dos dispositivos de medição – já falaremos sobre isso.
E o domingo 14 de junho amanheceu nublado em São Paulo, bom para correr, mas péssimo para depender dos satélites que fornecem as marcações aos dispositivos (calma, eu já explico a preocupação!), mas vamos lá assim mesmo. Se o dia estivesse sem nuvens, eu largaria um pouco antes de clarear para lembrar um pouco da Comrades real, pois acredite, quando você larga às 05:30 da manhã e vê aos poucos o sol marcando o contorno das montanhas sul-africanas rodeado por um pelotão de mais de 20 mil atletas, não tem nada mais inesquecível na vida de um corredor. Sem paisagem, mas com parte da tradição: antes da largada uma sequência de músicas e efeitos sonoros anuncia a prova real, entre eles a canção africana Shosholoza e o tema do filme “Carruagens de Fogo”, então vamos colocar estes 2 temas no celular para ouvir na minha “largada”. Quer saber como é esta sensação lá? Veja este vídeo, que coincidentemente é de 2018 (e eu devo estar aí no meio):
Era o mínimo que eu podia fazer, agora é concentrar nos 10 Km, que não tem sido minha distância de treino nos últimos 3 meses, desde que o isolamento social acabou com todas as provas de rua em que eu estava inscrito, além de ter me mantido em casa treinando na bike ergométrica durante a semana e treinos curtos nos domingos de madrugada. Também deixei o percurso bem plano, não por questão de velocidade, mas o percurso elevado teria que ser em algumas avenidas com prédios, e sabe como são estes dispositivos de medição... OK, vamos falar deste assunto, já que a única novidade num percurso de 10 Km era correr de máscara.
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nem parece que relógio e smartphone estão no mesmo braço! |
Sabendo que o aplicativo Strava vinha fazendo certas “stravisses” nos últimos tempos, marcando tempos e trajetos absurdos (motivo de outro post em breve), levei comigo um relógio GPS TomTom Runner, o qual poderia ser o tira-teima, ou o VAR em termos mais atuais, caso o smartphone marcasse alguma bobagem que poderia ser invalidade no registro. Não deu outra, enquanto o relógio marcou direitinho o percurso de 10,83 Km, meu smartphone registrou 14,09 KM, num ritmo alucinado de 05:32 minutos/Km para quem está sem muito treino de corrida.
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após carregado, o arquivo GPX já identifica
os dados para validar a corrida |
Tanto o site do Strava quanto o MySports do relógio geram um arquivo no formato GPX, que pode ser então carregado para estes sites de corrida virtual, sendo que a “gordurinha” acima da distância proposta é cortada e o tempo final ajustado proporcionalmente, o que me renderia um certificado digital e uma posição na classificação geral do evento virtual:
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os resultados aparecem em um painel com os mesmos dados
e formato de uma Comrades real! |
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mais uma vez, reconhecido pela Comrades! |
Nada substitui uma prova de verdade, onde a menor preocupação antes da atual pandemia era ficar longe das pessoas. Na Comrades você nunca está sozinho, seja pelo imenso pelotão ao seu redor, pelo staff a cada 2 Km em enormes mesas com todos tipo de líquidos e guloseimas ou pela torcida ao longo de todo (sim, todo) o trajeto. Mas é o que temos para o momento, e o fato de estarmos com saúde suficiente para um evento virtual nestes moldes, já é mais do que um motivo para se sentir um felizardo.
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Polly Shorts ou Cowies Hill?
antes fosse, são apenas as subidas da Zona Norte de São Paulo
diminuindo (ainda mais) a minha velocidade... |
Algum dia esta medalha vai chegar, e será recebida com alegria. Enquanto isso, o site com o resultado fez uma comparação que eu não gostei: através de uma projeção, disse que naquele ritmo eu terminaria uma Comrades real em mais de 16 horas e portanto, seria desclassificado...
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isso é provocação! |
Deixa ver se eu entendi...
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quem sabe na próxima
vai ser sem máscara |
...está duvidando de mim, dizendo que eu não consigo correr 90 Km em menos de 12 horas de novo?
Quer resolver isto no asfalto?
A gente ainda vai se ver de novo, Dona Comrades, e aí a coisa não será “virtual”...
Mas por enquanto: Thank you Comrades Marathon, see you soon!
Um pouco mais sobre o evento:
(eu sou fã do Strava, por isso em breve vamos falar como "afinar" o relacionamento de seu smartphone com os satélites e obter uma marcação precisa)
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