quinta-feira, 26 de junho de 2014

Ironman Florianópolis 2014: parte 2, o pedal

Apesar dos temores causados pela natação em águas abertas, o lugar onde um milhão de coisas pode realmente dar errado é no trecho de pedal de qualquer prova de triathlon. Não precisa ser atleta ou técnico experiente para chegar à esta conclusão, basta você entender que é neste ponto que irá depender não só da sua capacidade física, mas de uma máquina simples e complexa ao mesmo tempo: a bicicleta. E para completar, meu ponto fraco.

Voltando à minha prova, deixei você lá na T1 (1ª. transição), então vamos continuar deste ponto. Funciona assim: você tira sua roupa de borracha lá atrás com a ajuda dos staffs, enrola seus óculos e touca dentro, passa pelos chuveiros de água doce e fria, pega a sacola de
ciclismo e vai para a tenda de troca. Existe uma tenda feminina e uma masculina obviamente, e o atleta que não se vestir dentro do espaço indicado é penalizado.

Virei o conteúdo da sacola no chão e enfiei o material de natação na sacola, colocando uma camisa segunda pele por baixo do macaquinho devido ao vento frio que me esperava e em seguida o capacete, luvas, sapatilha. Fui para a bike, e é claro, a maioria delas já havia saído para a estrada, enquanto a minha ainda tinha um pouco de companhia de outras que aguardavam os demais atletas. Prontinha para os 180 Km à frente, lá
estava a Gipsy Danger, apelido carinhoso que ela ganhou, afinal, bike sem identidade nem pensar.

O ideal para uma prova de triathlon é uma bike do tipo contra-relógio ou de triathlon mesmo, mas as speeds (de estrada) são constantemente vistas inclusive com atletas de alto rendimento em provas menores. Fica para os colegas que se perguntam por que não investir em uma bike de triathlon, a seguinte explicação: eu não vou me dedicar ao esporte, e com um modelo speed posso participar de outras competições (onde bikes de triathlon não são permitidas) ou mesmo fazer treinos em condições mais normais. A maioria dos meus treinos é sozinho, e não vou ficar desfilando na rua com um modelo de 5 dígitos na etiqueta.

Comecei o pedal com uma sensação estranha e aos poucos entendi o que se passava: a natação havia sido mais cansativa do que o antecipado, e minhas costas já saíram doendo da água. O percurso de ciclismo é composto de 2 voltas que percorrem a ilha por estradas
e avenidas, partindo de Jurerê e indo em direção ao centro, através da belíssima Av. Beiramar Norte entre outras, passando pelos túneis e quase chegando ao aeroporto. As sacolas de percurso (special needs) são posicionadas nos Kms 45 e 135, sendo que na primeira volta não senti necessidade de acessar a minha. Algumas subidas faziam a velocidade cair bastante, mas nas descidas eu deixava a força de gravidade levar a bike a quase 60 Km/h para compensar.

Quando cheguei perto do Km 60, a pior subida da prova já no sentido de Jurerê, tive a sensação que o dia havia acabado para mim: um fisgada na coxa direita, onde eu naturalmente aplico mais força, e tive que parar e esticar a perna. Câimbra? Estiramento de músculo? Por sorte foi rápido e voltei devagar a escalar a montanha da rodovia SC-401. Porém o pior ainda estava por vir, pois as dores nas costas pioraram. O motivo eu descobri depois da prova, pensando e analisando os fatos: como já havia saído da natação dolorido, a posição na bike só complicou, aliado à uma burrice minha de ter deixado o selim um pouco mais alto
do que o normal. Olhando algumas daquelas fotos tiradas pelo fotógrafos de percurso, vi muito posicionamento meu errado, e minhas costas pagaram o preço.

Existe um trecho muito chato no percurso de volta, onde o atleta passa pela entrada de Jurerê e vai até Canasvieiras, apesar de bem plano, um retão enfadonho e demorado de uns 20 Km até o retorno da outra volta. Aliás, quando embiquei a bicicleta novamente no sentido do centro de Florianópolis, ouvi um integrante do staff deseja “boa segunda volta!”. Caramba, tudo de novo, mais 90 Km!

E lá fomos nós novamente, até agora nenhum pneu furado e eu ainda tinha muito tempo para concluir a etapa. Se não encostasse na T2 até 17:30, game over, mas estava bem no ritmo previsto, por volta de 26 Km/h de média. O vento começou a soprar um pouco mais forte e o percurso tornou-se complicado, apesar das recentes experiências da primeira volta. Quando passei de 100 Km, a alegria de completar 3 dígitos na prova se dissolveu nas dores nas costas, que pioraram. No Km 135, parei, fui ao banheiro químico e pedi ao staff minha sacola de percurso. Dentro dela, um analgésico estrategicamente colocado lá, além de alguns víveres mais interessantes que géis de carboidrato. Daí para a frente sem grandes emoções exceto pelo trânsito que já começava a complicar, mas o florianopolitano até que se comportou bem e só buzinou nos túneis, efeito da muvuca que virou o tráfego na região.

Quando cheguei a Jurerê tive a sensação de estar meio deslocado, pois uma legião de atletas já estava na fase final, a corrida, e eu precisei ter cuidado pois estava no mesmo sentido que eles em alguns pontos. Mas o pior de todos os medos, aquele que eu carreguei durante quase um ano, foi vencido: estacionei a bicicleta antes de 17:30, aliás, com uns 50 minutos de sobra.

Que alívio! Agora só falta uma maratona!


Entendeu? SÓ FALTA UMA MARATONA!!!

Muita gente ensaia a vida inteira para entrar em uma maratona às 07:00 da manhã, depois de uma boa noite de sono e um suculento café da manhã. Mas eu vou te contar como é fazer isto às 17:00 horas, depois de ter nadado 3,8 Km, pedalado 180,2 Km e ter passado o dia inteiro à base de água, gel de carboidrato, biscoitinhos e Gatorade. Aguarde!

terça-feira, 10 de junho de 2014

Ironman Florianópolis 2014: parte 1, a Natação

Você pode terminar a prova muito próximo dos campeões em pouco mais de 8 horas, ou até mesmo ser um deles, ou pode terminar quando o relógio marca alguns segundos para a meia-noite, que é o tempo limite de 17 horas. O mais provável é que tenha terminado em algum ponto entre estes dois momentos, mas seja lá qual for, neste meio tempo você percorreu 226 Km (3,8 Km nadando, 180,2 pedalando e 42,2 correndo) e vai ter muita estória para contar.

Pois bem, dia da prova, 04:00 da manhã de um domingo frio em Florianópolis e o despertador toca. Às 04:30 o café da manhã da Pousada das Samambaias fervilhava de atletas animados pelo dia a frente. Tem louco pra tudo neste mundo. Apesar de não muito longe da largada, pelo menos 30 minutos seriam necessários de caminhada, mas para nossa satisfação, um grupo de triatletas
do CAVEX, Aviação do Exército, reuniu os participantes e acompanhantes em seu micro-ônibus e nos deu uma carona providencial.

Últimos ajustes na bike, prender mais algumas câmaras, géis de carboidrato, colocar garrafas, e encher um pouco os pneus. Logo de cara um triatleta na mesma fileira perguntou sobre a bomba de pé que eu havia levado, se era empréstimo dos mecânicos e eu informei que ele deveria ter trazido a dele. Sim, respondendo a sua
pergunta, eu emprestei a minha não só para ele, mas para uma meia dúzia de atletas que também haviam esquecido. A competição, para nós amadores, é contra o relógio apenas.

É hora de ir para a largada.

Você já teve a sensação de entrar em um moedor de carne, de livre e espontânea vontade? E o pior, passar um ano inteiro pensando, planejando e se preparando para isto? É, tem louco pra tudo mesmo.

A largada de um Ironman é algo indescritível, pelo menos do ponto de vista de quem está prestes a iniciar a jornada. Quando o locutor começa a fazer contagem regressiva, 10 minutos, 8 minutos, só faltam 5 minutos, menos de 2 minutos... você entra em um estado de transe, como se seu corpo fosse uma máquina e tudo o que não é essencial para o funcionamento fosse desligado. Você treinou, bem ou mal, pouco ou bastante, senão não estaria aqui, é isto o que você vai levar neste caminho. Serão 226 Km, e tem que ser feitos em menos de 17 horas.

A buzina toca (até hoje, toda vez que eu quero, é só fechar os olhos e eu a ouço, nítida e longa)

Daqui não tem mais volta.

A praia de Jurerê Internacional é conhecida por suas águas calmas, e no dia da prova estava um verdadeiro piscinão, porém frio. Apesar de ser a menor etapa, tanto em distância quanto em tempo de execução, a natação é um verdadeiro monstro de 7, ou melhor 2.000 cabeças pulando na água ao mesmo tempo, e você no meio delas. Como já se não bastasse o empurra-empurra, socos e chutes (involuntários, naturalmente), muita gente entra em pânico quando não treina em águas abertas. Afinal, na piscina você vê a borda ou o fundo o tempo todo, mas no mar, passadas as primeiras ondas, você estará no reino de Poseidon, e aí a estória é outra. Sem contar o esporte de contato que o triathlon se transforma neste momento.


O percurso do Ironman Florianópolis é um tradicional “M”, que neste ano sofreu uma leve alteração para evitar que os atletas saíssem muito próximo de uma área de pedras, porém no mesmo formato. Na imagem abaixo, que é o percurso oficial da etapa, dá para ter uma ideia.

mais informações em Ironman Brasil

Como já era de se esperar, o primeiro trecho é longo, e a maioria dos atletas que vão no seu ritmo estão por perto. Primeira boia a quase 1 Km da praia, e eu gostaria que alguém me explicasse porque tem gente que não consegue contornar a boia nadando, param de uma forma inesperada, pensei que alguns iam até pousar para um “selfie”...


Continuando a jornada até a segunda boia e até a areia, só fiz a besteira de seguir um cidadão que estava meio deslocado e fomos direcionados pelo pessoal dos caiaques a ir mais para a esquerda, entrando no trecho de areia (70 metros). Sair da água e depois voltar é meio estranho, mas já haviam se
passado mais de 2.000 metros de mar. Esta era a distância máxima que eu já havia feito em águas abertas, na piscina até consegui distâncias maiores de uma única vez, mas daqui para a frente era território novo.

Voltei para a água e fiquei contente com o resultado, no meu ritmo fiz muito do que ensaiei na piscina e nas travessias que participei ao longo do ano. Conseguia respirar dos 2 lados, girava o corpo para diminuir o arrasto, tomava cuidado para não atropelar ou ser atropelado. E ao final de 01:37:20 saí da água, mais uns 2 minutos até passar pelo pórtico e meu tempo final foi 01:39:39 para
3,8 Km de mar. Primeiro monstro derrubado. Vale contar aqui que quando saímos da água os staffs estão posicionados a nos ajudar a tirar a roupa de borracha: você deita e eles te “descascam” do seu traje para que você passe para a T1, transição natação-bike.

Hora de colocar capacete, luvas, sapatilha, enfiar o equipamento de natação na sacola de transição e ir para a bike.

Como já era de se esperar, e depois eu explico porque, esta seria para mim a parte mais difícil da prova...

Em breve, o relato do pequeno pedal de 180 Km pelas estradas e avenidas de Florianópolis.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Você é um IRONMAN !!!

Perto das 23:00 horas do dia 25 de Maio de 2014, quando uma garoa fina e fria ainda caia em Jurerê Internacional, Florianópolis, SC, ouvi o locutor do 14º. Ironman Brasil dizer o meu nome seguido da frase que dá título ao post. Para quem acha que foram apenas 15:52:51 de tempo para concluir, é bom rever os conceitos, pois para cruzar esta linha de chegada o percurso é muito maior do que alguns imaginam, e eu aprendi isto às custas de muito sofrimento e sacrifício. Repito o que já disse várias vezes: não sou e não pretendo virar triatleta, meu único objetivo era concluir dentro do tempo regulamentar de 17 horas, e o resultado acima já estava dentro do esperado.

Antes de começar a saga, que eu vou dividir em alguns posts para não ficar cansativo nem para você nem para mim, gostaria de esclarecer um detalhe: este assunto foi mantido em “segredo” por quase 1 ano por motivos pessoais. E o motivo principal é o fato de
que nem todo mundo que acompanha o blog ou que me “adicionou” nas redes sociais, necessariamente vai com a minha cara. Fiz muitos amigos sensacionais que primeiro conheci no mundo virtual, e para não esquecer o nome de ninguém nem vou citá-los aqui, mas provavelmente você é uma dessas pessoas. Porém, como não poderia deixar de ser, teria muita gente torcendo contra e querendo que o pior acontecesse, daí foi necessário partir do princípio “não conte seus sonhos às pessoas, mostre-os”.


Então, quando começou a jornada que finalizou na linha de chegada descrita lá em cima? Na verdade foi há mais de 2 anos, quando assistindo aos especiais da rede americana de TV NBC sobre o Ironman do Havaí, eu acabei me empolgando com a ideia de completar uma prova deste tipo, nem que fosse uma única vez na vida. É claro que os fatores tempo, dinheiro, equipamento e especialmente treino pesaram bastante, mas entender e estudar a prova tornou-se um hobby para as horas vagas, e o planejamento começou a surgir. Como alguns ainda lembram, em Agosto de 2012 parte do sonho (metade, diga-se) completou-se com a realização do Ironman 70.3, conhecido como Meio Ironman por oferecer a prova em metade das distâncias. Logo após concluir, apesar de um tempo alto para os padrões da prova, fiquei meses imaginando o que seria necessário para concluir o percurso completo, afinal, como eu disse na época, detesto fazer as coisas pela metade.

A primeira modalidade do Ironman é a inscrição: em 17 minutos após as 11:00 horas do dia 07/06/2013, todas as 2.000 vagas já haviam sido preenchidas, ou melhor, todos os boletos bancários gerados. Muita gente protestou na página do organizador, mas é assim mesmo, a concorrência inicial faz parte da prova. E eu estava dentro, com um boleto de R$ 1.494,85 (US$ 700,00)
nas mãos, o qual foi imediatamente pago com o dinheiro dos cofrinhos quebrados para tal empreitada. Daria para pagar umas 20 inscrições de provas de corrida em São Paulo, mas como eu disse antes, pelo menos uma vez na vida quero enfrentar os 3,8 Km de natação, 180,2 Km de ciclismo e 42,2 Km de corrida, totalizando 226,2 Km de insanidade física.

E os treinos? Cada modalidade tem sua característica, então vamos deixar para conversar sobre isto depois, vou preparar um post para cada trecho da prova. Novamente cruzei 3 estados do país dirigindo, pois precisava transportar bike e equipamento, uma vez que minha confiança nas companhias aéreas é próxima de zero. Sem problemas, o carro aguenta e os tripulantes também, então gastamos um pouco de gasolina e pneu e tudo resolvido. Percebi ao longo da estrada, tanto na ida quanto na volta, que não fui o único, diversas vezes cruzei com veículos transportando bicicletas e atletas.

a "pequena" quantidade de equipamentos nas sacolas...

A retirada dos kits é feita nos dias que antecedem a prova, onde uma expo cheia de produtos para triathlon é montada com patrocinadores e lojas especializadas, além de um simpósio técnico com as principais características da prova. Em outras palavras, a explicação do regulamento para aqueles que insistem em não ler, e que neste formato de competição é de extrema importância. Na véspera da prova as bikes precisam ser entregues ao cuidados da organização, já posicionadas na área de transição da natação para o ciclismo, conhecida como T1. Sacolas que vão ser utilizadas pelos atletas nas duas transições também são entregues, e o momento mais difícil da prova inicia: a longa noite antes do evento...


Aguarde os novos posts, você vai conhecer melhor o que acontece numa prova dessas e até um pouquinho do que passa pela cabeça de quem é insano o suficiente para participar.